I
(O encontro)
O que restava de meu rosto
era coberto, pelos panos,
pelas cerimônias amarradas.
Em campos de espelhos,
espero sempre essa chuva
esquecer dos meus olhos.
Assim fazíamos a rotina:
o dia pelas passagens,
a caça pela sede.
Ao longe, um canto certeiro
cercado de luz, a esfera finita
brotando dos olhos ávidos.
E amarro, de nó em nó,
a pele, os dedos, o dia,
os dentes cravados na terra.
Sementes de um azul tão próximo.
Retalha, retalha e amarra
as pernas, os pelos, a pele.
O pano, colado, funde
a chuva emaranhando
a terra sobre os olhos.
Esperando a colheita.
Esperando o passado.
Intactos sob a pele.
II
(A passagem)
Permanecíamos no rastro,
a lama transbordando
sobre a pele trêmula.
Uma luz branca acorda
os olhos vidrados no ato:
dança dos dias mortos.
Faíscas tentam acender o sangue.
Lençóis pelas ruas anunciam
um novo nascer de nuvens
nos trazendo sua loucura,
devorando as fardas
e as chamas do erro.
Recolho as fraturas do tempo:
Encontros engessados
pela sutileza do medo.
III
(O Repouso)
Circula, circula imóvel.
Cava em tuas passagens,
um jamais ultrapassar.
Distante, torna-se
translúcida
grande chegada.
Tateia, tateia a fuga.
Desprende-se da pele,
craveja de pétalas
a carne exposta.
Repousa, destemido e
flutuante em sua glória.
Ao presente inalcançável:
oferendas da pele.
(Era latente o caminho entre as covas.
De si esperava apenas a imagem.
Distante e consumada, a enterrariam.
banhada de luz, tornar-se-ia seiva.)
IV
(O tempo)
É hora de devorar os vendavais.
No peito, o arrancar de raízes
toma em mãos a seiva
que derrete o aço das veias.
Com o sabor da chuva na boca
aperto as centelhas do silêncio.
Com um suspiro nos olhos,
as trilhas conduzem ao deserto.
Ao final, sustento os vultos
do fazer brilhar:
céu entre folhas secas.
Rostos dissipados no espelho.
Assim amávamos os trilhos:
Festejando o luar,
esperando o momento
de contorcer o tempo
e o relógio dos olhos.
Estraçalhados,
flutuamos nesta correnteza.
Pela delicadeza deste ruído
envoltos em bruma perene.
V
(A batalha)
Oferecido os retratos, impunha suas formas aos poros e extraia
das passagens o dissipar necessário para reavivar os nervos e partilhar sua teia com os cantos esquecidos na guerra.
---
Era uma manhã de janeiro em qualquer dia daqueles que passa, e eu via
farrapos ajoelhados e pedindo perdão, sacudindo os braços em busca de
afago. Via os servos e plenos carrascos entre o som da trombeta e o
grito da espada, e dizia "cubram seus ossos, pois o sagrado vazio
agora é preenchido por traças", e eu trazia em meus braços um
leito e uma vidraça para cercar seus rostos. Você tinha somente olhos
para me olhar com solidez em ferro e brasa em pálpebras latejantes, e eu
tinha somente a garganta vazia e o ódio nos pulmões ao contemplar o
sacrifício dos farrapos que juravam e proclamavam a própria liberdade,
que juravam e proclamavam perante a espada e que não tinham senão o grito,
e eu não tinha senão dois olhos e uma vidraça enquanto o grito calava
na boca do som e eu não era quando lhe dizia, mas podia afirmar, eu não
era o que agora eu sou e eu sou o sono dos mendigos na praça e o solo imundo
que aconchega os pés dos meninos de rua e uma solidão nua que
atormenta e escava os ossos sem nunca cessar,
esperando o vento e seu último suspiro, entrincheirado sob as lamparinas
na ausência do mundo.
das passagens o dissipar necessário para reavivar os nervos e partilhar sua teia com os cantos esquecidos na guerra.
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Era uma manhã de janeiro em qualquer dia daqueles que passa, e eu via
farrapos ajoelhados e pedindo perdão, sacudindo os braços em busca de
afago. Via os servos e plenos carrascos entre o som da trombeta e o
grito da espada, e dizia "cubram seus ossos, pois o sagrado vazio
agora é preenchido por traças", e eu trazia em meus braços um
leito e uma vidraça para cercar seus rostos. Você tinha somente olhos
para me olhar com solidez em ferro e brasa em pálpebras latejantes, e eu
tinha somente a garganta vazia e o ódio nos pulmões ao contemplar o
sacrifício dos farrapos que juravam e proclamavam a própria liberdade,
que juravam e proclamavam perante a espada e que não tinham senão o grito,
e eu não tinha senão dois olhos e uma vidraça enquanto o grito calava
na boca do som e eu não era quando lhe dizia, mas podia afirmar, eu não
era o que agora eu sou e eu sou o sono dos mendigos na praça e o solo imundo
que aconchega os pés dos meninos de rua e uma solidão nua que
atormenta e escava os ossos sem nunca cessar,
esperando o vento e seu último suspiro, entrincheirado sob as lamparinas
na ausência do mundo.
Bastante bonito. Lembra Federico Garcia Lorca.
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